Abordar a causalidade inversa na investigação observacional é fundamental para estabelecer associações credíveis entre os adoçantes sem ou de baixas calorias e a saúde cardiometabólica

Resultados de uma revisão sistemática e meta-análise de estudos prospetivos de coorte que modelam o consumo de adoçantes como alteração ou substituição para atenuar a influência da causalidade inversa

 

Destaques:

  • A causalidade inversa é uma grande fonte de enviesamento em estudos observacionais que investigam associações entre os adoçantes sem ou de baixas calorias e os resultados em termos de saúde
  • Ao incluir estudos prospetivos de coorte que modelam a ingestão de adoçantes como alternativa ou substituto, uma nova revisão sistemática e meta-análise oferece associações mais consistentes e robustas, atenuando parcialmente a influência da causalidade inversa
  • Os resultados do estudo mostraram que as bebidas com adoçantes sem ou de baixas calorias podem estar associadas não a um risco, mas a um benefício cardiometabólico, quando usadas para substituir as bebidas açucaradas

 

A causalidade inversa é um problema comum e importante na investigação epidemiológica que explora a relação entre os adoçantes sem ou de baixas calorias e a saúde. Por causalidade inversa, referimo‑nos ao fenómeno que descreve a associação de duas variáveis de forma diferente do expectável; por exemplo, uma associação positiva entre o consumo de adoçantes sem ou de baixas calorias e o aumento do peso corporal pode ser consequência, e não a causa, do excesso de peso e obesidade.1 Portanto, com o objetivo de identificar associações mais robustas e credíveis entre os adoçantes sem ou de baixas calorias e o efeito na saúde, que possam dar forma a orientações nutricionais, é essencial abordar a questão da causalidade inversa em estudos observacionais.

Com o objetivo de dar um parecer de forma fiável às suas Orientações de Prática Clínica para a Terapia Nutricional, o Grupo de Estudo de Diabetes e Nutrição (DNSG) da Associação Europeia para o Estudo da Diabetes (EASD) conduziu uma revisão sistemática e uma meta-análise de estudos de coorte prospetivos que modelam o consumo de adoçantes sem ou de baixas calorias como alternativa ou substituição para atenuar parcialmente a influência de causalidade inversa.2

Bebidas sem ou de baixas calorias podem estar associadas a benefícios cardiometabólicos, quando usadas no lugar de bebidas açucaradas

A revisão sistemática e meta-análise realizada por Lee et al incluiu quatorze estudos prospetivos de coorte com 416.830 adultos.2 O estudo restringiu as análises a comparações de coorte em que os investigadores modelaram a exposição como alteração no consumo, ou a substituição de bebidas açucaradas (SSBs) por bebidas com adoçantes sem ou de baixas calorias (ou seja, a “substituição pretendida”), ou bebidas com adoçantes sem ou de baixas calorias por água, ou as SSBs com água. Os autores realçam que a avaliação das mudanças na exposição ao longo do tempo, em vez da exposição inicial ou prevalente, e a modelagem adicional da substituição pretendida de SSBs por alternativas com adoçantes sem ou de baixas calorias, afiguram-se em associações mais consistentes, robustas e de plausibilidade biológica dessa relação. Os resultados do estudo mostraram que a substituição pretendida de SSBs por bebidas com adoçantes sem ou de baixas calorias foi associada a um menor peso e a uma redução do risco de obesidade, de doença cardíaca coronária, de mortalidade por doença cardiovascular total (DCV) e de mortalidade total, sem que se verifique uma associação adversa com outros resultados cardiometabólicos. A substituição de SSBs por água foi associada a um menor peso e a uma redução do risco de obesidade e diabetes tipo 2, enquanto a substituição de bebidas com adoçantes sem ou de baixas calorias por água não foi associada a mudanças de resultados com efeitos semelhantes.

Por que razão abordar a questão da causalidade inversa na investigação observacional é fundamental para tirar conclusões credíveis ​​sobre os efeitos cardiometabólicos dos adoçantes sem ou de baixas calorias na saúde?

É reconhecido que os fatores de confusão residual e causalidade inversa são as principais fontes de enviesamento em estudos observacionais.3 Estes efeitos são particularmente relevantes em estudos sobre adoçantes sem ou de baixas calorias, porque pessoas com alto risco de obesidade ou doença cardiometabólica recorrem com frequência a adoçantes sem ou de baixas calorias como estratégia de redução de risco. Na verdade, consumidores de elevadas quantidades de adoçantes sem ou de baixas calorias podem escolher estes produtos porque correm maior risco de resultados cardiometabólicos adversos, e não o contrário.4 Isso também é reconhecido em trabalhos de investigação apoiados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).5

Portanto, é fundamental abordar a questão da causalidade inversa na investigação epidemiológica envolvendo os efeitos na saúde dos adoçantes sem ou de baixas calorias para se obter associações credíveis. Num workshop de consenso para abordar necessidades futuras de investigação, entre outros objetivos, os especialistas enfatizaram a necessidade de estudos populacionais de coorte modelarem mudanças nos resultados de saúde no contexto de mudanças ao longo do tempo (com medidas repetidas) no consumo de adoçantes sem ou de baixas calorias, e também que os estudos deveriam incluir uma análise de substituição e um ajuste para adiposidade.6 Um ponto forte importante da revisão sistemática realizada por Lee et al é a análise dos estudos com mudança e substituição, de forma a abordar fatores de enviesamento na investigação epidemiológica, principalmente a causalidade inversa, para a atualização das orientações de prática clínica da EASD para a terapia nutricional.2 

Assim, enquanto outras revisões de estudos observacionais que se baseiam amplamente em dados de ingestão de base afirmam demostrar uma associação positiva entre a ingestão de adoçantes sem ou de baixas calorias e o risco cardiometabólico5, a atual revisão sistemática de estudos prospetivos de coorte que modelam a exposição como mudança ou substituição encontrou o oposto: as bebidas com adoçantes sem ou de baixas calorias, para a substituição pretendida de SSBs, não estão associadas a riscos cardiometabólicos e, de facto, podem estar associadas a benefícios cardiometabólicos, comparáveis ​​com o padrão de tratamento, para a água.6 É importante ressaltar que os resultados do estudo realizado por Lee et al estão também de acordo com a evidência de revisões sistemáticas e meta-análises de ensaios clínicos controlados e aleatorizados (RCTs) que, em geral, fornecem evidências de maior certeza.7 Evidências resultantes de RCTs confirmam que não há qualquer efeito adverso dos adoçantes sem ou de baixas calorias em fatores de risco cardiometabólicos intermediários, incluindo os níveis de glicose e de lipídios no sangue, pressão arterial, etc. E, de facto, indicam alguns benefícios no peso corporal e na gordura do fígado quando os adoçantes sem ou de baixas calorias são usados ​​para substituir os açúcares na alimentação.5,7

  1. Lohner S, Toews I, Meerpohl JJ. Health outcomes of non-nutritive sweeteners: analysis of the research landscape. Nutr J. 2017 Sep 8;16(1):55
  2. Lee JJ, Khan TA, McGlynn N, Malik VS, Hill JO, Leiter LA, Jeppesen PB, Rahelić D, Kahleová H, Salas-Salvadó J, Kendall CWC, Sievenpiper JL. Relation of Change or Substitution of Low- and No-Calorie Sweetened Beverages With Cardiometabolic Outcomes: A Systematic Review and Meta-analysis of Prospective Cohort Studies. Diabetes Care. 2022 Aug 1;45(8):1917-1930
  3. Mela DJ, McLaughlin J, Rogers PJ. Perspective: Standards for Research and Reporting on Low-Energy (“Artificial”) Sweeteners. Adv Nutr. 2020 May 1;11(3):484-491
  4. Sievenpiper JL, Khan TA, Ha V, Viguiliouk E, Auyeung R. The importance of study design in the assessment of non-nutritive sweeteners and cardiometabolic health. CMAJ. 2017 Nov 20;189(46):E1424-E1425
  5. Rios-Leyvraz & Montez, 2022 Rios-Leyvraz M, Montez J (World Health Organization)‎. Health effects of the use of non-sugar sweeteners: a systematic review and meta-analysis. World Health Organization (WHO) 2022.https://apps.who.int/iris/handle/10665/353064. License: CC BY-NC-SA 3.0 IGO
  6. Ashwell M, Gibson S, Bellisle F, Buttriss J, Drewnowski A, Fantino M, Gallagher AM, de Graaf K, Goscinny S, Hardman CA, Laviada-Molina H, López-García R, Magnuson B, Mellor D, Rogers PJ, Rowland I, Russell W, Sievenpiper JL, la Vecchia C. Expert consensus on low-calorie sweeteners: facts, research gaps and suggested actions. Nutr Res Rev. 2020 Jun;33(1):145-154
  7. McGlynn ND, Khan TA, Wang L, Zhang R, Chiavaroli L, Au-Yeung F, Lee JJ, Noronha JC, Comelli EM, Blanco Mejia S, Ahmed A, Malik VS, Hill JO, Leiter LA, Agarwal A, Jeppesen PB, Rahelic D, Kahleová H, Salas-Salvadó J, Kendall CWC, Sievenpiper JL. Association of Low- and No-Calorie Sweetened Beverages as a Replacement for Sugar-Sweetened Beverages With Body Weight and Cardiometabolic Risk: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Network Open 2022 Mar 1;5(3):e222092